WHAT iS dESiGN?

dESiGN é a vida cruzada pelo tempo e o espaço.
dESiGN is life crossed by time and space.

02 janeiro, 2006

[a estética de raiz económica]

A sociedade moderna, através do sistema de troca, criou uma estética que a serve e que estandardizou o imagético. O design gráfico é veículo dessa estandardização. De certa forma criou um paradigma com uma extraordinária capacidade de adaptação, onde a verdade de hoje pode não ser a de amanhã mas pode estar novamente em voga no dia seguinte. Senso comum dir-se-á. Quem escolheu entrar em jogo facilmente se fará ouvir.

Uma das maiores questões que sempre adiei foi a de se me sentia confortável com a minha profissão, designer gráfico, e o modo de vida que, com ela, levo. Com certo receio fiz vários “copy/paste” de um série de escrito que acumulara, e tentei ultrapassar a questão pessoal de forma a olhar para um espectro maior.

Penso que há dois tipos de problemas que me tocam com maior intensidade.
Primeiro, não sendo necessariamente o mais importante, o facto de fazer parte do universo de negócio da comunicação — na sua vertente mais larga publicidade, propaganda, “branding”, editorial, etc — e saber que trabalho para um máximo denominador comum que conheço mal.

O outro é o de representar, por via da minha profissão, uma certa racionalização dos aspectos criativos do quotidiano, uma espécie de uniformização dos costumes visuais e das ideias. A parte mais importante de tudo isto é o poder coercivo que as formas e os “standards” da comunicação exercem sobre os próprios produtores de conteúdos e de imaginários nos diferentes meios, e sua respectiva reprodução.
Aqui chegado incluo-me, no lote dos estandardizadores estandardizados.
De facto no dia-a-dia experimenta-se muito pouco dentro do modo operativo da disciplina, e com isso evolui-se menos esteticamente. Existem, naturalmente, designer e ateliers que não se inscrevem nesta lógica e que conseguem gerir o experimental e o comercial de forma consistente com resultados interessantes, justiça seja feita.
Conjugar negócio e estética tem também sido forma de consolidar o design como subproduto ao serviço da nossa condição de vida construindo estruturas, interdependências e interacções entre os diferentes actores e grupos do mercado comunicação e o consumo da mesma.
Logicamente que o que está aqui em causa é a relação de poder mediada pela troca, naturalmente ela existe e é motivadora por um lado e constrangedora por outro, uma questão meramente “diplomática”. Mais, sem a troca o design, bem como todo o resto da sociedade moderna ocidental, não existiria tal qual a conhecemos e habitamos.

Com uma maior autonomia do design — ferramenta da estrutura criativa — ganha a comunicação, e em última instância ganha a massa generalista maior e respectivas franjas. Dum pseudo-altroísmo conservador que julgamos dominar é necessário passar a uma verdadeira independência da disciplina, do ponto de vista criativo, a uma nova estética autónoma. O processo produtivo e autoral terá de se demarcar dos mecanismos de mercado, que servem a condição de vida, mas excluem a autonomia criativa da disciplina. Servimo-nos do mesmo mundo de maneiras diferentes com códigos relativamente gastos.

Acho portanto que o design, na realidade, reside fora dos ateliers ou das agências, lá repetem-se procedimentos — não só visuais —, evitando o novo e reproduzindo os comportamentos vencedores na lógica do mercado.
Há que pensar o design fora das fronteiras das empresas, com tudo o que de utópico e racional isso questiona. O designer, enquanto autor, tem pouco espaço de manobra num universo criativo marcado pelo peso da troca, e tem de contornar os sistemas agregadores de forma a encontrar maneira de os desconstruir e reconstruir de raiz, evitando os consensos.

É fácil pensarmos que conhecemos o mundo, acontece quase todos os dias — este texto disso é exemplo —, difícil é distanciarmo-nos de determinado preconceitos, nossos hóspedes, que nos levam a errar grosseiramente. À volta da comunicação estão os egos de milhões de pessoas como nós, criteriosamente diferentes uns dos outros e no entanto apaixonadamente aglutinados. A troca democratizou o consumo, todos tem direito a tudo, e ao mesmo tempo todos tem direito a só isso. Uma espécie de mentira muitas vezes repetida que acaba por se tornar verdadeira.

originalmente publicado a 24/08/2005 em [glaucon[LAB].
rui[lúcio]carvalho